Alfarrábios e Bibliofilia
Você sabe o que significa o termo bibliótafo? Ou bibliópola, biblioclastia, biblioclepta e bibliognosta
A palavra alfarrábio origina-se do antropônimo árabe Al-Farabi, filósofo que viveu em Bagdá no século IX. Significa “livro velho e de leitura enfadonha, cartapácio, e daqui alfarrabista, colecionador ou vendedor de alfarrábios, o que manuseia alfarrábios, caturra” (Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, 1º volume, 1950-1954). Vários dicionários etimológicos confirmam a origem da palavra, mas ela só viria a ser definida semanticamente com o sentido de “livro velho de pouca estimação” a partir do século XVIII. A 1ª edição do Dicionário de Morais (1789) adota a definição de “livro velho”, ao mesmo tempo que o alfarrabista é definido como “o que contrata em livros em segunda mão”; os continuadores de Morais acrescentaram arbitrariamente ao verbete a expressão “ou de leitura enfadonha
Frei Domingos Vieira, no seu Dicionário (1871), dá a seguinte definição para o termo alfarrábio: “livro velho, cartapácio, calhamaço manuscrito”. Segundo ele, o termo se aplica tanto ao livro impresso como ao manuscrito e alfarrabista é “o que negocia livros velhos”.
O comércio do livro antigo ou simplesmente usado sempre existiu, mas tornou-se comum sobretudo depois da invenção da imprensa. No século XVI, as primeiras feiras-do-livro, os Mess Kataloge de Frankfurt e de Leipzig são considerados os antepassados remotos dos catálogos atuais, onde o cliente pode escolher a mercadoria em casa e solicitá-la ao livreiro.
Já a palavra bibliófilo, traduzida ao pé da letra significa “amante de livros” (do grego biblion, livro, e philos, amigo). O substantivo amante tem muito mais a ver com o bibliófilo do que o adjetivo amigo. Há muitos bibliomaníacos, com verdadeiras e monumentais bibliotecas, até com algumas raridades, mas que consideram o livro apenas como um passatempo ou um investimento. Compram livros pela aparência e pelo peso, como se fossem frutas. Assim, a diferença entre bibliófilo e bibliômano não é de essência, mas de grau de intensidade.
É frequente a bibliofilia degenerar em bibliomania; o bibliômano pode ser um homem culto, um intelectual, um investigador, em busca de documentos e material para a sua pesquisa. Mas tanto o bibliófilo como o bibliômano gostam de mostrar a sua biblioteca, têm orgulho pela posse de obras raras e que mais ninguém possui. Não escondem isso, mas pelo contrário, gostam de exibir as suas coleções. Já o o bibliótafo tem uma postura diferente; esta palavra significa “enterrador de livros”, ou seja: o bibliótafo compra livros, monta preciosas bibliotecas, mas não mostra a ninguém as obras que possui. Ao contrário, esconde-as à vista de todos como num túmulo, de modo que ninguém tem acesso a elas.
O livro também tem aqueles que o cultuam de maneira exibicionista, puramente formal: os bibliolatras.
Entre os amantes dos livros há também aqueles apaixonados somente por interesse comercial, o que é mais frequente. Quem junta livros para vender é chamado de bibliópola, que provem do grego polein, vender.
Mas, também, muitos sentem pelos livros um verdadeiro horror, ainda que disfarçado. A bibliofilia tem o seu antônimo no termo bibliofobia. Porém, muito pior do que esse horror passivo aos livros, é o horror ativo, que se traduz no prazer de rasurá-los e destrui-los; essa mania recebe o nome de biblioclastia, e este inimigo dos livros é chamado de biblioclasta.
Tanto a bibliofilia como a bibliomania podem levar ao roubo, e ao ladrão de livros aplica-se o termo biblioclepta.
Quando ama os livros, a pessoa é levada, naturalmente, a estudá-los, a procurar conhecer a sua história, título, datas das edições, lugares de impressão, editores, preço, etc.. Esta ciência é chamada de bibliognosia ou bibliognóstica, e quem se dedica a ela recebe o nome de bibliognosta. “Gnosés” vem do grego e significa conhecimento.
Alcaponne dos Livros
segunda-feira, 12 de março de 2012
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Paulo Freire - Pedagogia da Autonomia - Trecho Intelectual Memorizador
- Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, sersimplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Assim a tarefa docente consiste não apenas de ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo.
- O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro.
Paulo Freire. Trecho do Livro Pedagogia da Autonomia.
- O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro.
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Otto Maria Carpeux - 1900-1978
Em agosto de 1939 Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil, fugindo da Holanda, em companhia de sua mulher, dona Helena. Era um escritor austríaco antinazista, cuja vida tinha se tornado impossível na Áustria, anexada por Hitler à Alemanha. Vira o começo de uma época terrível da história da Europa e decidia vir para o “Novo Mundo”. Para sublinhar sua decisão de recusar qualquer conciliação com o que estava havendo no Reich, mudara seu sobrenome germânico Karpfen para o francês Carpeaux.
Chegou sem saber mais de quinze ou vinte palavras em português. Com sua extraordinária autodisciplina, porém, dedicou-se a aprender o idioma e três anos depois já falava o suficiente não só para obter a cidadania brasileira como também para escrever seu primeiro livro na nossa língua: uma coletânea de ensaios intitulada Cinza do purgatório.
Carpeaux tinha dificuldade para se comunicar oralmente com as pessoas. Primeiro, porque era muito gago. Depois, porque tinha uma deficiência na articulação do maxilar e, de vez em quando, o queixo como que se “soltava” ligeiramente, ficava um tanto “caído”, até o escritor “encaixá-lo” novamente com suas próprias mãos no devido lugar. Esses obstáculos o estimulavam a se expressar por escrito; e durante várias décadas ele alimentou a imprensa carioca e a imprensa paulista com artigos.
Em seus primeiros anos de atividade entre nós, Carpeaux se mostrava muito cauteloso em relação aos problemas políticos brasileiros. As autoridades do Estado Novo getuliano não tinham porque hostilizá-lo. Vendo que ele não era reprimido e sabendo que tinha vindo da Alemanha, alguns jovens intelectuais de esquerda passaram a desconfiar dele. Quando perceberam que Carpeaux, em seus artigos, criticava as posições do “marxismo-leninismo”, então, os aguerridos moços revolucionários o estigmatizaram como “nazistóide” (o que era grotesco, quando se leva em conta o fato de que o homem tinha vindo para cá fugindo do nazismo).
Carpeaux ficou, compreensivelmente, magoado com essas pessoas. Até o fim da vida, manifestou sempre irritação, por exemplo, contra Jorge Amado. Com seu rigor, descobriu que, num de seus romances, o autor da Tieta do agreste chamava a palavra “inacreditável” de advérbio; e se perguntou, ironicamente, em que outra literatura mundial seria possível encontrar um escritor consagrado capaz de confundir um adjetivo com um advérbio. Jorge Amado detestava Carpeaux (e nos anos sessenta chegou a haver pugilato num encontro entre os dois).
A importância da atuação de Carpeaux como crítico literário no Brasil dos anos quarenta e cinqüenta foi enorme. Alfredo Bosi, o autor da excelente História concisa da literatura brasileira, recorda com emoção os artigos que lia, “cheios de verve, poesia e paixão”; e declara ter ficado marcado pela postura despreconceituosa que encontrou no ensaísta austríaco: “a ampla margem de liberdade que ele se atribuía ao enfrentar qualquer autor e ao exercer qualquer método”. O ensaísmo de Carpeaux, na avaliação de Bosi, “é um diálogo com a historicidade profunda de todas as obras”.
Outro depoimento importante é o do nosso mestre Antonio Candido, que fala do “impacto renovador” causado pelos ensaios de Carpeaux e da amplitude do seu ponto de vista universal, que lhe permitia “transpor as limitações eventuais do nacionalismo crítico, cuja função histórica é importante em certos momentos, mas não deve servir para obliterar a dimensão verdadeira do fenômeno literário, que por sua natureza é tanto transnacional quanto nacional”.
Carpeaux, por sua história de vida, estava vacinado contra a ingenuidade do “nativismo”: seu quadro de referências é, como se pode notar em seus ensaios, vasto demais para permitir encantamentos ilusórios em relação à “pureza” de alguma “brasilidade” oculta, de onde virá a nossa “redenção” cultural (e política?).
Não basta se abrir para a riqueza da cultura alheia: é preciso não se prender a um “modelo” particular de qualquer cultura estrangeira. É preciso diversificar as fontes de conhecimentos. E Carpeaux, num Brasil cujos intelectuais tendiam a se encantar exclusivamente com a cultura francesa, introduziu as reflexões espanholas sobre o barroco; revelou a riqueza das preocupações dos ensaístas italianos com a história (com Vico e De Sanctis) e ampliou nosso contato com a literatura de língua alemã. Foi Carpeaux, aliás, quem apresentou Kafka aos brasileiros (fascinando-nos a todos nós com o relato de seu encontro pessoal com o genial escritor tcheco: os dois foram apresentados uma vez e o nosso bem-humorado ensaísta austríaco confessava que nem sequer o nome do autor de O processo ele conseguiu entender direito...).
Carpeaux tinha um senso de humor muito especial. Era um católico convicto, mas ridicularizava o atraso do pensamento católico conservador no Brasil. Divertia-se com as manifestações de misticismo manipuladas pelos grandes meios de comunicação de massa. E se divertia consigo mesmo, com as vicissitudes cômicas de sua experiência pessoal. Lembro-me de tê-lo ouvido contar uma história impagável: ele tinha ido a Belo Horizonte e estava na estação rodoviária tentando comprar uma passagem de ônibus para voltar ao Rio. Na época, os jornais falavam insistentemente de um padre milagreiro, que estava fazendo curas espantosas, em Urucânia, em Minas Gerais. Carpeaux chegou ao guichê e pediu: “Quero uma passagem para o...” Nesse momento, o queixo dele caiu, o maxilar sofreu um deslocamento que o impedia de continuar falando. Então, o homem do guichê atalhou: “Para Urucânia, já sei”. E Carpeaux, reajustando o maxilar deslocado, replicou, enérgico: “[...] para o Rio de Janeiro, seu idiota!”.
Às vezes era difícil saber quando ele estava falando com seriedade e quando estava brincando. Sua maneira de ver as coisas comportava o reconhecimento de que existem princípios pelos quais os seres humanos devem lutar até morrer e existem circunstâncias passageiras que nos envolvem mas nós não devemos respeitar além da conta. A condição humana é cheia de ambivalências. E o melhor da literatura, segundo Carpeaux, estava na sua capacidade de registrar a força dos princípios essenciais, sem no entanto forçar artificialmente a supressão das ambigüidades que proliferam à nossa volta.
A literatura nos ensina a não sermos simplistas. Carpeaux trazia para seus leitores brasileiros observações que os ajudavam a compreender as sutilezas e diversidades dos grandes autores. Seus ensaios, parcialmente reunidos em livros (Origens e fins, Perguntas e respostas, Retratos e leituras, presenças), discorriam sobre os romances de Graciliano Ramos e sobre os poemas de Carlos Drummond de Andrade, mas também sobre Fernando Pessoa, Shakespeare, James Joyce, Jonathan Swift ou Jorge Luís Borges. Tinha uma imensa capacidade de admirar a obra dos “grandes”; porém dispunha, igualmente, de uma disposição incansável para investir contra os falsos valores.
Não perdoava besteira, qualquer que fosse a boca que as pronunciava, qualquer que fosse a caneta que as escrevia. Escrachou o filme Moulin Rouge e a biografia de Toulouse Latrec que lhe serviu de base, pondo a nu o conteúdo reacionário das mentiras “sentimentais” acolhidas e divulgadas pela obra. Quando Aldous Huxley do alto da sua “cultura enciclopédica”, afirmou que a “bondade” era o verdadeiro fundamento da poesia e que um criminoso nunca poderia escrever um bom poema, Carpeaux protestou energicamente; e disse que Huxley, cuja leitura preferida era a Enciclopédia Britânica, provavelmente ainda não tinha, em seu livro de cabeceira à letra V, de “Villon” (que era escroque e assassino, embora tenha sido também o maior poeta francês do seu tempo).
A ingenuidade, aplicada a fenômenos humanos complexos, prejudica o valor das criações literárias. Quem ama de fato a literatura está obrigado a amá-la com inteligência. E Carpeaux, empenhado na guerra em prol do amor inteligente pelas letras, redigiu sozinho uma monumental História da literatura ocidental, em oito grossos volumes (mais um volume de índices e suplemento). Diversos críticos assinalaram falhas nessa realização colossal, tropeços, omissões, ninguém, entretanto, pode deixar de admirá-la, em sua imponência. Nunca no Brasil alguém tinha empreendido algo parecido. E talvez jamais venha a se tentar algo semelhante.
Mas Carpeaux não se limitava a amar a literatura; amava também a música. Seu amigo o crítico Álvaro Lins (que o lançou como colunista de jornal no começo dos anos quarenta) me contou uma vez que Carpeaux gostava de ouvir a execução de certas peças de criação musical acompanhando-as pela leitura das respectivas partituras. Estava tão familiarizado com os sons como com a teoria musical. E foi esse sólido conhecimento que lhe permitiu escrever e publicar (em 1958) o fascinante livro Uma nova história da música.
Ainda há mais, contudo: Carpeaux estudava e amava a literatura e a música, estudava e amava a história, mas também a política. Seu destino pessoal tinha sido marcado por acontecimentos políticos e ele não podia deixar de se interessar pelas vicissitudes do poder, das instituições e dos conflitos sociais. Se não desenvolvermos uma consciência crítica das condições em que o poder se exerce nas nossas sociedades, ficaremos à mercê de tiranos que exercerão o poder abusivamente sobre nós. Carpeaux, então, se sentia obrigado a ler – e muito! – sobre política. E a inclusão de mais esse campo de observação em seus estudos ampliou ainda mais seu quadro de possibilidade. (O que levou Antonio Candido a escrever: “Otto Maria Carpeaux poderia ter sido o que quisesse, cientista, professor, crítico de arte, de música ou de literatura, líder político, doutrinador”).
Mas Carpeaux não se limitava à teoria; também estava disposto a ter participação prática. Quando o golpe de 1964 desabou sobre nós, inaugurando uma era de repressão extremada na sofrida história do Brasil, o bravo ensaísta austríaco – já completamente abrasileirado, mas identificado com o povo brasileiro do que os novos detentores do poder – passou a usar sua coluna no Correio da Manhã para fustigar, implacavelmente, as arbitrariedades do governo. Fazia-o indiretamente, discorrendo sobre o que se passava em outros países, cujos povos também estavam sendo oprimidos. Recorria ao velho método alegórico, à técnica do fabulista Esopo: como ele mesmo dizia, servia-se de uma “linguagem esópica”. Os leitores o liam, compreendiam o recado que estava sendo transmitido e se deliciavam. Os censores se irritavam, porém não conseguiam fazer nada para impedi-lo de continuar a escrever seus artigos (reunidos, afinal, no volume O Brasil no espelho do mundo).
Tornou-se, de uma hora para outra, bastante popular. O que o trabalho de uma vida inteira não tinha conseguido, foi obtido através da repercussão de sua firme atitude de oposição à ditadura: os estudantes o descobriram. Carpeaux passou a ser reiteradamente solicitado a fazer conferências e convidado a participar de debates e eventos políticos. As pessoas o apontavam na rua, umas para as outras, identificando-o, cheias de admiração.
Lembro-me de ter ido uma vez com ele a Juiz de Fora, para participarmos de um debate. Eu era filiado ao Partido Comunista Brasileiro, estava emprenhado em fortalecer os movimentos sociais para uma longa luta de resistência antiditatorial e via com ceticismo o estado de espírito “radical” que se manifestava em diversas lideranças e setores expressivos do movimento estudantil. Carpeaux, que ardia de impaciência e revolta, ia disposto a jogar lenha na fogueira. Conversamos com franqueza durante a viagem; expusemos um para o outro, lealmente, nossos pontos de vista. Não consegui convencê-lo da razoabilidade das minhas apreensões (que o AI-5 – o famigerado Ato Institucional nº 5 – confirmaria, tristemente, alguns meses mais tarde). Carpeaux também não conseguiu me convencer da justeza de suas combativas posições.
Quando chegamos a Juiz de Fora, vimos que a promoção da Editora Civilização Brasileira tinha mobilizado muita gente e que os estudantes enchiam o lugar onde íamos debater. Percebi que, entre eles, as tendências de esquerda mais extremadas eram hegemônicas. Os ventos iam soprar mais para o lado do Carpeaux do que para o meu. Tive, então, por um momento, um pensamento mesquinho: “Tomara que a gagueira atrapalhe o discurso dele.”
Não atrapalhou. Carpeaux, rejuvenescido pela paixão e pela combatividade, comoveu o público com suas palavras candentes, denunciando a ilegitimidade da ditadura militar e conclamando as pessoas à desobediência civil. A estudantada vibrou de entusiasmo. E eu acabei contagiado pelo clima que se criou. Olhando o septuagenário Carpeaux, que lançava as palavras como dardos, que fulminava os reacionários com seu sarcasmo, tive, por um instante, a impressão de que ele era mais forte do que o general-ditador.
Hoje, ao recordá-lo, me dou conta de que Carpeaux realmente tinha um poder maior, que o traz de novo para nós, redivido, enquanto o outro mergulha cada vez mais num merecido esquecimento.
O próprio Carpeaux, seguramente, caracterizaria sua vitória póstuma como uma comprovação da superioridade do espírito sobre a matéria. Sua convicção inabalável era essa: os valores do espírito acabam preponderando sobre a força bruta. E, para confirmar sua tese, o ensaísta católico, nas conversas que tinha com seu interlocutor marxista, citava o exemplo de Antonio Gramsci, cuja inteligência fulgurante continuou a brilhar no cárcere fascista, apesar da devastação que os asseclas de Mussolini produziram em seu frágil corpo alquebrado.
Desde o começo dos anos sessenta, começaram a se multiplicar as referências de Carpeaux a Gramsci. Em março de 1966, na Revista Civilização Brasileira, Carpeaux publicou um artigo intitulado “A vida Gramsci”. Nesse artigo, sublinhava importância da sólida base cultural e filosófica do pensamento gramsciano, destacava suas raízes croceanas e chamava as Cartas do cárcere de “obra-prima da literatura italiana”. Reconhecia, em três momentos, a universalidade da lição do fundador do PCI: 1) no exemplo de resistência incansável à ditadura fascista; 2) na denúncia da alienação do elitismo “cosmopolita” dos intelectuais e na necessidade de uma reconstrução da intelligentsia em bases verdadeiramente nacionais; e 3) na crítica radical às distorções profundamente antidemocráticas acarretadas à sociedade pela falta da reforma agrária e pela preservação dos latifúndios.
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